Armando Nogueira, conveniente chefe de jornalismo da Rede Globo
Foi-se o ex-chefe de jornalismo da Globo, Armando Nogueira, aos 83 anos, em 29 de março, de câncer no cérebro. Pedro Bial, ex-jornalista que se tornou apresentador do infame Big Brother Brasil, disse que perdeu “um pai”. Tal pai, tal filho. Bial é apenas uma das revelações do homem que capitaneou o Jornal Nacional e outros telejornais da Globo nos anos feros da ditadura militar. As boas revelações, que as há, constituem exceções que confirmam a regra.
CRIME E CASTIGO
Por Palmério Dória
A carreira de Armando Nogueira deslanchou por divino acaso. O jornalista, aos 27 anos, estava de papo com amigos na rua Toneleros, na madrugada de 5 de agosto de 1954, quando ouviu tiros na frente do edifício Albervânia, ali perto. E virou testemunha ocular da história.
Chegou a tempo de ver Alcino João do Nascimento disparando contra o político e jornalista Carlos Lacerda, enquanto seu guarda-costas, o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, agonizava, atingido pelo pistoleiro, e Armando assistiu a todo o pandemônio que se instalou naquela rua de Copacabana, paralela à praia famosa no mundo inteiro.
Dali Armando partiu para contar nas páginas do Diário Carioca, onde trabalhava, na primeira pessoa, aquele que viria a ser carimbado pela imprensa de então como Crime do Século. Crime que a oposição a Getúlio Vargas, incendiada pelo próprio Lacerda, iria explorar com tal sanha, que levaria o “pai dos pobres” ao suicídio – aliás, este sim o crime do século 20.
NARRATIVA A SERVIÇO
DO GOLPE CONTRA VARGAS
No começo dos anos 1980, Armando Nogueira, então todo-poderoso diretor de jornalismo da Rede Globo, reencontrou o ex-pistoleiro Alcino – que havia cumprido mais de 21 anos de pena. Foi durante a gravação de um Globo Repórter na rua Toneleros. Depois, Armando me fez confidências, na salinha em que eu trabalhava na emissora, talvez tocado pelas emoções da noite, talvez por Alcino ser meu amigo – escrevi suas memórias. Armando me segredou que não contou na época exatamente o que viu.
Lembrei esse fato em reportagem para a revista Interview, numa rememoração do episódio, agora nos anos 1990. E perguntei o que levou o repórter Armando Nogueira a contar o que não viu – “na verdade, a cena que vi foi um fogo cruzado de Lacerda com Alcino, o major no meio”, e por aí foi – num crime crucial da história do Brasil. Armando Nogueira nunca respondeu nem podia responder.
Tudo fazia parte de um conjunto de crimes maiores e menores que levaram Vargas a matar-se 19 dias depois. O Diário Carioca, comandado pelo jornalista Pompeu de Souza, inicialmente de feroz oposição, tornou-se verdadeira extensão da República do Galeão, aparelho policial-militar a serviço da mais cega direita, instalado na Base Aérea do Galeão, onde se torturou, barbaramente, até gente da guarda do Palácio do Catete, com o objetivo de incriminar e derrubar Vargas. E Armando contou o que convinha para os torturadores e seus superiores militares e civis.
ALCINO NEGA QUE ATIROU
NO PÉ DE CARLOS LACERDA
Lacerda usou o tal “tiro no pé” para posar de vítima com mais convicção, carregado no colo que foi por soldados da Aeronáutica, e assim fotografado para publicação nos jornais. Cá entre nós, no tiroteio se usou arma calibre 45, com bala que teria destruído o pé de Lacerda, o que não aconteceu. Uma coisa é certa: nem o pé do Cyborg resistiria ao balaço de 45. Por isso nunca houve exame de balística. Por isso Lacerda, que nunca se mancou, passou a vida explicando por que não mancava: o pistoleiro e a bala eram ruins. Piores que ele.
Assim se faz a história. O jornalista Armando Nogueira consagrou a versão dele. O mestre-de-obras Alcino João do Nascimento, vivíssimo aos 87 anos, não abre mão da sua. Atirou, sim, no peito do major Vaz, mas nega o tiro no pé de Lacerda. Também nega que tenha havido um plano de atentado na Toneleros e afirma:
“Pistoleiro mesmo, nunca fui!”
Quais razões ele tem para mentir? As razões de Armando Nogueira não sabemos, só podemos supor: muito possivelmente ajudar a derrubar Vargas.
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