terça-feira, 13 de abril de 2010

DR. JIVAGO

Passei 45 anos sem ver Doutor Jivago. Não sabia o que estava ganhando. 
Mylton Severiano 
Doutor Jivago, filme de 1965 ganhador de cinco estatuetas do Oscar, não fui ver na época porque desconfiava que, embora pudesse ser bem feito, servia a interesses americanos. O romance de mesmo nome do russo Boris Pasternak tinha como pano de fundo a Revolução Russa de 1917 e a sequente guerra de agressão que lhe moveram as forças reacionárias do mundo capitalista.
Enfim, acabo de ver a catadupa de 198 minutos, quase três horas e meia de xaropada, que só levei até o fim porque precisava comentar com razão. Interpretações burocráticas, Omar Sharif abobado, a fazer caras e bocas – canastrão que não deixou um só filme notável, mais famoso aqui por ter sido apalpado pela primeira-dama Iolanda Costa e Silva.
Como que a serviço do Pentágono, o diretor David Lean (Lawrence da Arábia, A Ponte do Rio Kwai) põe em cena revolucionários russos – sem exceção alguma – cada um com a pior cara de mau possível. Maniqueísmo puro.
Suportei porque estava bem acompanhado e acomodado no amplo sofá da sala, com direito a interrupções à vontade. O que mais exclamei durante a projeção foi “mas que filmezinho mais vagabundo”.
Oscar de canastrice para a Guerra Fria. 
 
UM READY MADE
[Ready made (“já feito”) – Expressão que o artista francês Marcel Duchamp (1887-1968) usou ao mostrar numa exposição de arte, há um século, objetos tirados do contexto, tais como um vaso sanitário, uma roda de bicicleta etc.] 
O POVO
Eça de Queiroz (1845-1900) 
Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, e se lamentam em vão.
Estes homens são o Povo.
Estes homens, sob o peso do calor e do sol, transidos pelas chuvas, e pelo frio, descalços, mal nutridos, lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua força, para criar o pão, o alimento de todos.
Estes homens são o Povo, e são os que nos alimentam.
Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos.
Estes homens são o Povo, e são os que nos vestem.
Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.
Estes homens são o Povo, e são os que nos enriquecem.
Estes homens, nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem.
Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuídos e desprezados.
Estes homens são o Povo, e são os que nos servem.
E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes homens que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem?
Primeiro, despreza-os ao não pensar neles, não vela por eles; trata-os como se tratam os bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos; não lhes melhora a sorte, cerca-os de obstáculos e de dificuldades; forma-lhes em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga; não lhes dá proteção; e, terrível coisa, não os instrui: deixa-lhes morrer a alma.
É por isso que os que têm coração e alma, e amam a Justiça, devem lutar e combater pelo Povo.
E ainda que não sejam escutados, têm na amizade dele uma consolação suprema.
(Encontrado por Mylton Severiano no blog “Companheiro Delúbio”)

Nenhum comentário:

Postar um comentário