sábado, 18 de setembro de 2010

HISTORINHAS PARA DIVERTIR SEU FIM-DE-SEMANA

Você também
não é ninguém?

Por Mylton Severiano

Tomado por um acesso de humildade, o rabino se atira de bruços ao chão da sinagoga, se descabelando, esperneando e socando o chão enquanto grita:
“Eu não sou ninguém! Óóóóó, eu não sou ninguém!”
Contagiado pela catarse, o vice-rabino se atira ao assoalho ainda mais possesso que seu superior, “eu não sou ninguém, ninguém, ninguéééém!”, então eis que o faxineiro, igualmente tomado de êxtase, atira a vassoura longe e a eles se junta, espojando-se no chão com sincera fúria e aos berros de “Óóó, eu não sou ninguéééém, eu não sou ninguém!”
Nisso, rabino e vice-rabino param de gritar, sentam-se no chão, contemplam a cena, e o rabino, apontando o faxineiro tresloucado com gestos do polegar, diz ao colega:
“Olha só, quem acha que não é ninguém...”

O protetor de formigas

A vizinha Vanda, 70 anos, tem um filho de 50, o Filipe, esquizofrênico. Moram na Barra da Lagoa, num lugar paradisíaco de Florianópolis, com acesso por uma ponte que só dá passagem para um veículo de cada vez.
No feriadão, em pleno domingo de sol, Vanda ouve um buzinaço na rua, e aquilo se estende, “gente louca”, ela pensa, então batem na porta. Um vizinho vem avisar que o Filipe parou o trânsito e de fato os motoristas estão enlouquecidos.
Vanda corre para lá. Filipe, com seus quase dois metros de altura e mais de cem quilos, pernas e braços abertos, agita-se pra lá e pra cá no meio da ponte, não deixa passar ninguém. O buzinaço vem de quem não está lá na frente, sem buzinar e sem saber o que fazer, com medo daquele gorilão que fecha a passagem.
“Filho! O que você está fazendo aí?”, chama a Vanda.
Ele ri para ela e, enquanto a mão direita continua barrando o caminho, com a esquerda ele faz sinal par a mãe chegar até ele, com expressão cúmplice no rosto. Vanda se aproxima.
“Olha, mãe!”, ele aponta para o chão, onde uma correição imensa de formigas atravessa meia pista com suas folhas e gravetos rumo ao formigueiro.
“Mas filho, deixe as pessoas passar”, diz Vanda, e Filipe retruca:
“Ora, mãe, eles estão passeando, e as formigas estão trabalhando, eles que esperem.”
Vanda sabe lidar com Filipe. Com meia dúzia de palavras-chave convence o filho a retirar-se e abrir caminho para os motorizados turistas. Ele acompanha a mãe, mas segue protestando:
“Eles passeando, e as coitadas trabalhando.”

FRASE DO MOMENTO

É de Marx, escrevendo no século 19 sobre liberdade de imprensa na Prússia, que adapto para o Brasil do século 21:
“Se o povo brasileiro não se agrada dos nossos jornais é porque nossos jornais não se agradam do povo brasileiro.”
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HOMENAGEM A WESLEY DUKE LEE
Morto  no domingo, dia 12 de setembro de 2010 vítima de broncoaspiração e parada cardíaca, aos 78 anos de idade.






Wesley Duke Lee fotografado por Amancio Chiodi em 1976

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