segunda-feira, 6 de setembro de 2010

RESISTÊNCIA DE UMA PRAÇA NA CIDADE DE SÃO PAULO

Texto Cristina R. Durán & Fotos Amancio Chiodi






Annabella e Marcos
É o primeiro domingo frio depois de muitos dias quentes e secos vividos em São Paulo. Mesmo assim, a pequena Annabella, de três anos e lindos olhos cor de água, não desiste. Sai de casa com o gorrinho e o casaquinho vermelhos e vai com Beatriz, sua mãe, à praça vizinha onde plantará a sua primeira árvore: um pé de amora. Em seguida, ajuda a plantar um Ficus e se ocupa em regar a plantinha. Encerra o ritual com um sorriso, cantando “quem tem medo do lobo? La ra ri la ra rá.”

Annabella é o mais novo e jovem membro de um grupo formado por cerca de 50 pessoas que, há pelo menos 35 anos, cuida e planta pés de árvores na Praça Rafael Sapienza, na Vila Madalena. São o José, o Rubens, o Teo, a Dora, o Marcos, o Artur, o Tonho jardineiro, e tantos outros que aos domingos ocupam parte de seu tempo acarinhando aquele resistente pedaço de natureza no alto da vila.



  

De um lado, a praça protege os fundos do Fórum local e da escola estadual Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, que agora também abriga o teatro batizado com o mesmo nome do bairro. Ela emoldura, ainda, os dias e noites dos moradores da região, dos freqüentadores de seus restaurantes, bares, lojas, e dos milhares de transeuntes e motoristas que passam por ali diariamente.

Como em muitos outros domingos, “seu” José, começa este observando a praça e medindo os diferentes graus e qualidades de energia que ela fornece. Respeitoso, pede licença à natureza e a seus regentes para começar. Nas mãos, ora balança um pêndulo, ora manuseia um instrumento parecido com duas letras L, que convergem ou se separam conforme a positividade e a  negatividade telúrica do lugar. “Nem sempre podemos plantar uma árvore em um determinado ponto”, vai contando. “Ela tem o seu lugar apropriado, caso contrario morre.” E lá vai o bom homem, apontando aqui e ali.
"Seu"José e a repórter

Em um dos cantos da praça, segundo ele, surge uma fonte.
-       “De água, seu José?”
-       “Não, de luz alimentadora de energia.”
O local, nas palavras dele, é um agente de energia purificadora.

Praça Rafael Sapienza
Antes deste grupo, um anônimo funcionário da CMTC, que trabalhava em um ponto de ônibus instalado ali, já se ocupava em cuidar da praça e plantar árvores. A primeira delas foi uma paineira hoje alta e frondosa. Identifica-se cerca de 150 espécies, como um pujante Pau Brasil, um Jacarandá da Bahia, pés de Manga,  de Amora, de Sabão de Soldado, Perobas, entre outras. Dora é madrinha de um pinheiro. É ela quem costuma registrar os eventos de domingo com a sua câmera fotográfica.
Rubens 
Tonho jardineiro
 Rubens, um dos primeiros membros deste grupo de resistência, observa: “Cada árvore que a gente planta tem o seu lugar estudado, verificamos a melhor forma de plantar e depois acompanhamos o seu crescimento.” Muitas vezes, no domingo seguinte, o pézinho recém plantado foi destruído. Eles replantam nova muda. E, assim, a praça resiste e persiste.

“Estou impressionado como as árvores encararam a seca”, admira-se Rubens. Ele tem razão. Apesar da falta de chuva e da escassa umidade, surgem brotos por todos os lados anunciando a chegada da primavera. A praça está verde. Começam a aparecer esboços de frutos e de flores. Há muitos pássaros – cantando, voando, se alimentando. Sabiá, beija-flor, João-de-barro (foto).

“Comecei a perceber que aqui está se tornando um ponto de passagem dos pássaros em rota de imigração, da Patagonia ao Canadá”, conta Rubens. “Também vejo os predadores chegando.”De acordo com ele, estas aves se estabelecem no topo dos prédios, que fazem o papel dos altos rochedos naturais.
Marcos, Teo, Rubens, Artur (esquerda para direita)
Teo vive em uma das casas que margeiam a praça e anda por ali de dia e de noite zelando por aquelas árvores. “Tem todo tipo de movimento por aqui”, testemunha. Igualmente, Marcos -- segurança das redondezas – cuida do lugar onde aplica a sabedoria da convivência com a natureza que aprendeu no interior de Pernambuco, onde nasceu. É de sua autoria, por exemplo, o surgimento de uma espécie de bolsões de terra em galhos. São processos chamados Alporquia, em que aquele tipo de enxerto ajuda a surgir parentes da mesma espécie -- no caso, um caminho de flores de primavera de diferentes cores.

Que medo do lobo (mau).

Amancio

Um comentário:

  1. Meninos, que linda homenagem! Mas cadê as gardênias? Estão ali em frente ao canto das crianças, e é minha parte favorita dessa praça! Quando elas abrem, só dá perfume de gardênia...
    Bjs.

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