quarta-feira, 15 de setembro de 2010

SOCORRO PARQUE DA ÁGUA BRANCA

Texto de Cristina R. Durán & Fotos de Amancio Chiodi




É sábado, 11 de setembro de 2010, a visão dos tratores e retroescavadeiras enlameados e mal parados atrás do Lago Preto, moradia de uma comunidade de gansos -- entre eles, uma fêmea que choca seus futuros filhotes, enquanto os machos a protegem --, impressiona muito negativamente. A cena registra-se no Parque da Água Branca, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Torna-se pior quando o visitante se aproxima para ver o que vem a ser isso, ou decide cortar caminho para chegar à bucólica casa caipira onde se serve café e bolo feitos no fogão a lenha. O cenário que se avista atrás das máquinas é devastador. Desolador. Lama, entulho e destruição onde há uma das principais nascentes do parque.


Em vão, um funcionário e um segurança -- que nada tem a ver com os planos do governo do estado de fazer uma transformação "profunda" no parque -- procuram avisar que aquilo será melhor para todos. A tentativa pode até ser boa. O fato é desastroso e desnecessário. Entre outras pessoas que vão se aproximando e vão ficando chocadas com o que vêem, um casal observa, palmas das mãos no rosto: "Ïsto é uma nascente", lamenta ela, que é arquiteta. "Como podem mexer assim aqui? Vão destruir tudo."


A ideia, segundo um dos funcionários, é fazer uma fileira de cinco lagoinhas atrás do lago principal em que, alheios a tudo isso, os gansos vivem a sua história de procriação e sobrevivência. Para alimentar estes reservatórios de água, comenta-se ali, provavelmente será necessário drenar a nascente. "Isso pode comprometer o lençol freático, todo o sistema e o entorno", diz o acompanhante da arquiteta.










Totalmente dispensável
O lugar não precisa de nada disso. É majestoso com as suas palmeiras e outras árvores, caminhos de terra, animais. Gatos vivem livremente ali por perto. Um deles, pretinho, pretinho, cativa todo mundo que passa porque só bebe água da torneira. Quando está fechada, ele fica parado ao lado esperando alguém abrir. Desavisada, mas também encantada, uma mulher quer colocar uma bacia para ele beber, e, pior, quer adotar o gato e levá-lo para casa. A moça tem boa intenção. Mas não percebe que se domesticar este animalzinho acabará com a sua espontaneidade e boa vida. Pode se fazer uma analogia com a história atual do parque.
Perto dali, cantam galos belíssimos em cores variadas entre tons de ferrugem e com cristas vermelhas e curtidas, enquanto galinhas cacarejam, ciscando em volta com tranqüilidade. Pássaros saltam de uma árvore à outra, jogando uma sonoridade relaxante no ar e espalham sementes aqui e ali. Folhas e mais folhas caídas das árvores forram o chão. É bonito de se ver. E é alimento para a terra.




Como em outras semanas, neste sábado ensolarado, o parque está cheio de gente disposta a curtir um espaço que, mesmo no meio da cidade, mantém ares rurais. Além da casa do caipira, em frente da qual o sertanejo Alex solta, sem compromisso, os seus versos de amor, e também dos galos, galinhas, pavões, gatos, gansos para a alegria da criançada, tem a célebre e excelente feirinha dos alimentos orgânicos, que fazem a diferença na mesa de casa. Em frente, pode se tomar um saboroso café da manhã - orgânico também.







Neste dia, em uma das mesas, membros da Associação de Amigos do Parque da Água  Branca (Assamapab), interessados em proteger aquela área de 137 mil metros quadrados -- com pouco mais de 79 mil deles em área verde -- procuram arrebanhar assinaturas para um abaixo-assinado que visa conter as máquinas e exige um estudo de impacto ambiental. Muita gente firma seu nome, inclusive a professora e educadora Teresa Lajolo, ex-vereadora pelo Partido dos Trabalhadores, que acaba de se recuperar de uma doença. Na terça-feira seguinte, dia 14, o grupo formado em 1981 para preservar o patrimônio ambiental, histórico e arquitetônico do Parque, teria somado quase duas mil assinaturas. O documento foi entregue ao Ministério Público, e poderá ser encaminhado, ainda, ao governador, o secretário de Agricultura e ao presidente do Fundo Social solicitando que as obras das Nascentes e Bosque das Palmeiras sejam interrompidas  até que os estudos de impacto ambiental e os laudos técnicos do CONDEPHAAT e  DEPAVE  sejam apresentados (mais informações em http://amigosdoparqueaguabranca.blogspot.com/).


O governo estadual, por meio do Fundo de Solidariedade e Desenvolvimento Social e Cultural do Estado de São Paulo (Fussesp), presidido pela primeira-dama Deuzeni Goldman, iniciou as obras em agosto deste ano com o objetivo de realizar uma profunda e extensa reforma no parque. Para susto dos seus frequentadores, derrubou palmeiras, árvores antigas e vegetação espontânea do bosque, retirando inclusive, segundo contam, o seu banco de sementes. No lugar, foi implantada uma trilha, chamada Pau Brasil, coberta de cascalho, material usado também em um praça com quiosques no centro do parque, tornando o lugar asséptico em vez de natural.


Vale lembrar que, embora aquela vegetação não represente uma reserva de mata nativa, o número aproximado de espécies arbóreas adultas, ali, é de três mil. Há ainda diversas árvores utilizadas para fins paisagísticos e de alimentação para animais. O projeto de criar uma praça de alimentação, ainda, ameaça o café da manhã orgânico. Na ocasião em que foram iniciadas as obras, foi necessário pedir reforço da Polícia Militar para conter os protestos e seguir com a derrubada de árvores decidida unilateralmente, sem consulta a órgãos ambientais.








Um pouco de sua história
O Parque da Água Branca foi criado em 1929 pelo secretário de Agricultura Fernando Costa, e até hoje é administrado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Antes disso, em meados de 1904, o prefeito Antônio da Silva Prado idealizou ali a Escola Prática de Pomologia e Horticultura para que as pessoas pudessem se dedicar à atividade agrícola de forma profissional, ajudando a elevar a qualidade dos produtos, difundindo o cultivo, aumentando a produção e barateando os preços. A escola funcionou até 1911.
Em 1928, o governador Júlio Prestes construiu a sede da Diretoria de Indústria Animal, transferindo as antigas dependências do Posto Zootécnico de São Paulo e o Recinto de Exposições de animais da Moóca para a Água Branca. Na década de 70, as grandes exposições foram transferidas para o Recinto de Exposições da Água Funda (atualmente Centro de Exposições Imigrantes). Em 1975, ocorreu a mudança do Instituto de Zootecnia, antigo Departamento de Produção Animal e hoje ligado à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios da Secretaria (Apta), para a Fazenda Experimental de Nova Odessa.
Mesmo com tantas mudanças, a vocação original do Parque - a preocupação com o desenvolvimento das pesquisas agropecuárias e com o lazer - manteve-se por meio dos trabalhos desenvolvidos pelas entidades e órgãos nele instalados. Novas demandas sociais trouxeram outras atividades, como programas para a terceira idade e portadores de deficiências, educação para uso sustentável dos recursos naturais, entre outros. Em 1996, o Parque foi tombado como bem cultural, histórico, arquitetônico, turístico, tecnológico e paisagístico pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat).

Dos 137 mil metros quadrados de área: 79 mil são de vegetação, 27 mil área edificada e 30 mil metros são ruas, alamedas e pátios. Os prédios em estilo normando, projetados por Mário Whately, e os vitrais do portal de entrada, em estilo art déco, desenhados por Antonio Gomide em 1935, são atrativos à parte. Hoje, o Parque da Água Branca recebe um público composto não apenas por moradores do entorno, como também de diversas regiões, que ali praticam atividades físicas, participam de cursos e se deliciam com a paisagem e o caráter rural que inspira a área.



Um comentário:

  1. Ao que parece, a administração do Parque da Água Branca suspendeu parte das obras de revitalização.

    Isso após a vistoria do Ministério Público, ontem, que encontrou várias irregularidades.

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