quarta-feira, 29 de setembro de 2010

SÉRIE DITADURA NÃO ACABOU

Bobagens no horário nobre,
inteligência nas horas mortas
Por Mylton Severiano texto
Amancio Chiodi fotos

Lady Lilly me liga, passa uma hora tentando me convencer de que o melhor é deixar pra lá esse negócio de jornalismo. Queixa-se de estar rodeada de mediocridade. Mas, pergunto a ela, e os mais novos? Ela se espaventa:
“Os mais novinhos são os piores, Myltainho”, diz ela, chorosa, “eles não leem nem jornal!”
Lady Lilly trabalha numa revista feminina de sucesso e, apesar do nome de guerra aristocrático, não tem nada de granfina, muito menos de lady, com ela é tudo ali no popular, no escreveu não leu o pau comeu. Mas essa história de jovenzinhos que chegam a redações para exercer a mais vocacional das profissões e não cultivaram o hábito sacrossanto dos jornalistas que é ler jornais – é grave.
Depois de convencer Lady Lilly de que a humanidade precisa dela dentro de uma redação e de que, mesmo que fosse ruim com ela pior seria sem ela, matutei.

Se o PT estivesse no poder em São Paulo...
... os calunistas dos jornais, das revistas e da tevê cairiam de pau no pânico que se instaurou no metrô dia desses. Relembrariam a cratera que engoliu pessoas na construção da estação de Pinheiros.
... o acidente com o trem da montanha russa que feriu diversas crianças? Culpa do PT, que não fiscaliza nada, é tudo uma bagunça quando este partido está no poder.
... a soldado ou sargenta da PM que matou um garoto de 17 anos pelas costas, mais um dentre incontáveis assassinatos praticados por esses estrupícios fardados? Claro, quem não veria o dedo do PT nisso? Quem manda na PM não é o governo do Estado? E o governo estadual não estaria nas mãos do PT?


Quando digo que a ditadura ainda não acabou, me olham intrigados. Ora pois, veja que meia dúzia de famílias controlam todas as comunicações neste país, os principais jornais, as principais redes de rádio e televisão. As mesmas que apoiaram o golpe militar, e sustentaram a ditadura que se seguiu por 21 anos e, depois de seu fim legal, insiste em vigorar de fato.
Em vez de andarmos pra frente em matéria de democratização dos meios de comunicação, é para trás que vamos, eis o exemplo da TV Cultura de São Paulo – Estado demo-tucano por excelência. O Roda Viva virou Roda Morta. Antes quase sempre ao vivo, agora sempre é pré-gravado, porque o “vivo” é perigoso de periculosidade – ficam os jornalistas de verdade insistindo em fazer perguntas que não se deve fazer.

Os debates? Engessados cada vez mais. “O candidato tem 37 segundos e 20 centésimos para a tréplica”, “a candidata tem 17 segundos e dois décimos para fazer a pergunta e só pode perguntar ao candidato que ainda não foi perguntado e a pergunta deve versar sobre assunto ainda não tratado neste debate”. E quando o candidato está prestes a concluir o raciocínio, o mocinho corta-lhe o microfone e o repreende diante de milhões de eleitores.

Vi na França um debate recentemente, durou umas quase três horas, livremente, todos com direito a falar até concluir seu pensamento, e acaloramento quando dois debatedores divergiam seriamente sobre algum tema. Me lembrei do Pinga Fogo, na extinta TV Tupi.
Maiores de 45 anos se lembram. Era um mano a mano verbal eletrizante. Escolhia-se um assunto e se convidava alguém contra e alguém a favor. E pingava fogo! O “mediador” estava mais para incendiador – fazia as perguntas que o contendor tinha esquecido de fazer.


Um Pinga Fogo histórico se deu entre a deputada paulista Conceição da Costa Neves e o coronel paraquedista Américo Fontenelle. Ela, dizia-se, havia sido prostituta. Era uma mulher peituda, raçuda e bocuda. Ele, apoplético, militar reformado se não me engano por haver sofrido algum acidente. Era o homem escolhido pela Prefeitura paulistana para dar um jeito no trânsito caótico (já era caótico).
Fontenelle vinha do Rio com fama de dar jeito no trânsito de lá. Cascata. Era, sim, um truculento. Carro estacionado em local proibido, ele esvaziava os quatro pneus. Ou colava um adesivo que mandou especialmente fabricar, que tomava todo o parabrisa dianteiro do carro. O carioca descobriu que saía com coca-cola. Então passou a esvaziar pneus.

Em São Paulo, Fontenelle criou o que ele chamou de rótula: pegou algumas avenidas e ruas mais largas e as transformou num corredor mais ou menos redondo em torno do centro, com mão única no sentido anti-horário.
Muito bem. No meio do caminho havia um posto de gasolina na esquina da tal rótula com a Asdrúbal do Nascimento, ruela pela qual motoristas espertinhos passaram a burlar a tal rótula, passando pela calçada do posto – ou mesmo abastecendo e saindo pela Asdrúbal. Fontenelle simplesmente bloqueou o posto com blocos de concreto. Um encrenqueiro, no fundo.

No Pinga Fogo entre o coronel e a deputada, ele apanhou de relho. Primeiro que ela era boa de debate e desbocada. Segundo que o coronel só sabia dar ordens e a ditadura mal havia começado, de modo que ainda sobrava espírito civil na sociedade. Conceição cobriu o coronel com uma saraivada de argumentos contra seus métodos arbitrários e até totalitários. E ele, que só sabia berrar, com ganas – a gente via – de esganar a mulher, teve de se conformar em sair do estúdio engolindo raiva. Morreu horas depois, de “insulto”.
Pelo critério acima, que hão de convir é bem palpável, visível, sabível, vejam que a ditadura segue. O jornalismo especialmente de tevê é em geral engomadinho, fofinho. Programas que possam provocar alguma reflexão para o povo se antenar vão ao ar nas altas horas mortas da noite, quando 99% do povo dorme para enfrentar o dia seguinte. No chamado horário nobre, só besteirol, bobajol. Faz parte. Manter o povo “anestesiado” é próprio de ditaduras. Ou não?
Que Lady Lilly me desculpe, ela que se diz apolítica. Mas é coisa da mais alta Política entregar-se apaixonadamente à feitura de uma revista que leva às leitoras (e leitores, que os há) a cota semanal de informações carregadas do amor e do carinho que eles não estavam acostumados a receber.

Um comentário:

  1. ESTOU OUVINDO NESTE MOMENTO O SERRA DIZER QUE É "FANÁTICO POR CONCURSO PÚBLICO". NÃO ACREDITO NOS MEUS OUVDOS.
    ADOREI TUDO. LEMBRO-ME DA RÓTULA DO CORONEL FONTENELLE E DA BRIGA COM A CONCEIÇÃO SANTA MARIA (NÃO ERA ASSIM QUE A CHAMAVAM?). DEU CAPA NA ÚLTIMA HORA DO DIA SEGUINTE. ALIÁS, O PINGA-FOGO SEMPRE DAVA CAPA DE JORNAL. QUE BELEZA, HEM?
    E LEMBRAR QUE A TV ERA - É - UM VEÍCULO FUTURISTA...
    FAZENDO AQUELE PASSADO POBRE EM BRANCO E PRETO FOI GENIAL, MAS TEIMOSAMENTE SONHAVA COM O FUTURO QUE É HOJE, IMAGINANDO COISAS LINDAS, SABE-SE LÁ O QUÊ. ERROU NA PREVISÃO.
    NÃO IMAGINAVA QUE FOSSE SENTIR SAUDADE DO TICO-TICO, DO FERNANDO BARBOSA LIMA, DA BRANCA RIBEIRO, DO KALIL FILHO, DO CARLOS SPERA,... E ANDO COM SAUDADE DE VOCÊS DOIS TAMBÉM. BEIJO E BEIJO. ROSE.

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