terça-feira, 7 de setembro de 2010

VIDA DE JORNALISTA DÁ UM ROMANCE









ZÉ HAMILTON RIBEIRO - 2a. parte
Estamos no 6º transplante de rim e a imprensa nem aí; Zé vai lá tentar fazer a reportagem impossível

Por Mylton Severiano, textos 
e Amancio Chiodi, fotos 






Paramos no ponto em que Zé Hamilton, no primeiro emprego, na Rádio Bandeirantes, certa madrugada é cutucado enquanto dorme num sofá: desabou o morro do Marapé em Santos, com favela e tudo. O chefe veio para a rádio, botou latas, cadeiras no corredor, pegou o microfone e irradiou “direto do Marapé”, enquanto chutava as latas e arrastava cadeiras, “estamos no morro do Marapé, uma tragédia aconteceu” etc. Zé pede para não dar o nome do sujeito, mas apurei que era Enildo Franzosi. Claro que não me dava com ele, e ele me demitiu duas vezes: da Folha, por eu participar da greve histórica de 1961, que nos proporcionou entre outras vantagens o piso salarial; e em 1974, da TV Cultura de São Paulo, por eu pertencer ao time do Fernando Pacheco Jordão e do Vladimir Herzog. Não percamos tempo com isso, vamos à continuação da história do Zé Hamilton Ribeiro.


Era 1956, Zé viu na Folha “Você quer ser jornalista?”. Foi lá, alguém o entrevistou, pediu uma redação. Dali a dias recebe um telegrama, “compareça para começar a trabalhar”. E o Zé começou como preparador de texto. Chega à noite para o primeiro dia de fechamento, sofre um impacto:
“Será que eu vou virar isso?”, pensou ele.
“Era só gente feia, velha, sofrida, mal tratada, dentes ruins, gente amarelada, o secretário já tinha fama, era alcoólatra.”
Era Hélio Pompeu, tio de dois colegas, Renato e Sergio Pompeu. Hélio chegava à noitinha para trabalhar, impecável dos pés à cabeça, sapato brilhando, colarinho bem passado. Às cinco da manhã podiam encontrar Hélio nalguma sarjeta. Zé ficou assustado com a possibilidade de “virar aquilo”.

Um repórter que caiu na mão dele era o Maurício de Souza. Repórter de polícia.
“Como escrevia mal. Virou uma multinacional da mediocridade em quadrinhos. A Argentina tem a Mafalda, do Quino, nós temos a Mônica, do Mauricio de Souza.”

Zé Hamilton é de agosto de 1935. Em 1960, quando eu entro na Folha, encontro o Zé já repórter importante. Lá então me junto a gente que será importante no jornalismo: Woile Guimarães, hoje sócio da GW, que faz campanhas para governador e presidente para o PSDB e passou por Realidade, O Bondinho; Zé Hamilton, José Carlos Marão, Otoniel Santos Pereira, Serjão de Souza, Carlos Alberto Azevedo, todos futuros participantes de Realidade; sem falar nos dois Pompeus; Aluízio Biondi, um dos maiores jornalistas de economia que conheci; Murilo Felisberto, um dos criadores do Jornal da Tarde. Já tinha uma liga entre nós.
“A gente já contestava aquele jornalismo, quadrado”, diz Zé. “Na Folha havia o germe, a Quatro Rodas foi o laboratório, de onde sairam as grandes publicações do século, Jornal da Tarde, Veja e Realidade.”

Zé estava na Quatro Rodas como editor-chefe quando Realidade sai em abril de 1966. “A Abril estava se fazendo como editora”, avalia Zé. “Até então, antes da Quatro Rodas, tinha o Pato Donald, fotonovelas, revista de cama e mesa: a Claudia. Não tinham redação, tinham um corpo de tradutores. Eram revistas estrangeiras, era só traduzir e dar uma melhorada no português. Tinha um cara capaz que cuidava do texto, Jerônimo, trabalhava na Folha e foi pra lá. As mocinhas que traduziam sabiam bem italiano, inglês, francês, mas não sabiam direito português.”
Claudia foi a primeira revista da Abril com redação, mas era “uma redação pequena para uma ambição pequena”. A Abril resolve fazer Quatro Rodas, de turismo, automobilismo, indústria que estava crescendo.
“Só que, acho que conscientemente, escolhem pra dirigir a Quatro Rodas Mino Carta, que não sabe nem dirigir um carro. Até hoje. É jornalista, com formação européia.”
Zé acha que, por consenso de Mino com a editora, resolvem formar uma redação de jornalistas.
“Ele levou Paulo Patarra, eu, Myltainho, gente do Rio, e Quatro Rodas funcionou como um laboratório de redação. Enquanto Claudia tinha três jornalistas, Quatro Rodas tinha oito, dez. Na Abril era um espanto. Mercadante, Azevedo.”
Zé percebeu que aquele grupo estava buscando uma nova linguagem, uma linguagem jornalística. Quando nasce Realidade, Paulo Patarra, que criou a fórmula e montou o time, leva uma parte da Quatro Rodas. Deixa pra trás alguns pra não desfalcar Quatro Rodas, “que era uma revista importante naquele contexto”.
Mas, enquanto estão fazendo o número zero da Realidade, chegam a uma conclusão: “Vamos trazer o Zé.” E Zé Hamilton, que era o chefão de Quatro Rodas, não pensou duas vezes, deixou o alto cargo para ser “peão” em Realidade.

Lembro ao Zé Hamilton a história que Lázaro Oliveira me contou. Lázaro se tornou jornalista graças a Realidade. Era office-boy que nos atendia. E uma vez, na hora do almoço, viu o Zé praticamente sozinho, redigindo. E quando chega o fim da tarde, Lázaro volta e vê o Zé pegar um maço de laudas já prontas, amassar e jogar no lixo! Diante do espanto do garoto, Zé explica:
“Comecei a matéria errado.”
Zé gosta da história e lembra que Percival de Souza, um dos melhores repórteres de polícia hoje, era boy da Folha. Na Realidade, Zé acabou se encaminhando para o jornalismo científico, abrindo um nicho que não existia.
“A ciência é a busca de decifrar a natureza, se possível usar a natureza a favor do homem. Eu andava grilado, porque uma coisa acontecia na Folha e noutros jornais: não acreditavam que jornalista era capaz de fazer reportagem científica, era considerado um trabalhador rude. Não tinha formação, era autodidata.”
Bem lembrado. Os jornais tinham médicos pra escrever de medicina, engenheiro sobre engenharia, e tinha agrônomo, veterinário, gente da universidade. Quando surgia o assunto, pediam para um especialista escrever. Resultado: texto para especialista, tecnicamente perfeito, mas com o linguajar daquele grupo, o leitor comum não entendia bulhufas.
“Na Folha já tinha começado a mudança, de certa forma, Tinha o Jota Reis, você se lembra, né?”
“Claro”, respondo eu. “Morreu há pouco, com oitenta e tantos anos.”
José Reis, que assinava J. Reis, escrevia de maneira mais inteligível, mesmo assim ainda voltado para a comunidade de pesquisa. Não para o leitor comum. Foi um avanço, pois frequentava a redação, sabia o que era jornal, texto para jornal.
“Ele foi o grande precursor, era uma pessoa interessante, educada. Mesmo assim, não fez bom jornalismo cientifico.”
Um tipo como José Reis, que era uma evolução, não teria o mínimo jeito para fazer uma matéria sobre transplante de coração usando o “lado humano”, iria falar da técnica, como é que opera, e naquela linguagem ininteligível que nem receita escrita por médico.
“É que o escritor tipo Jota Reis se baseia no texto escrito. Pega a revista científica, vê aquela coisa interessante e dá um tratamento mais entendível, mas a fonte é o texto escrito – por especialista. Ele não vai entrevistar as pessoas, o doente, o médico. Essa é uma diferença fundamental.”
Hoje é fácil, mas quando a gente chegou na Realidade havia uma ansiedade: por que não escrever sobre ciência?
“Foi a abertura que Realidade me deu, não tinha limitação de pauta e não tinha limitação de ambição de reportagem. Seja o assunto que for. Sucedeu que a gente estava no começo da Realidade quando realizaram os primeiros transplantes de rim no Brasil. Já ia ser feito o sexto, e ninguém sabia. A imprensa não dava. Ninguém prestava atenção nisso. Alguém da redação ficou sabendo, entrou em contato com o chefe do departamento de transplante do Hospital das Clínicas, pra fazer uma reportagem. E o cara não gostou nada. Mandaram eu: Vai lá, vê se dobra o homem.”
Será que o Zé vai dobrar o professor Geraldo Campos Freire? Claro, mas não será fácil não. Vamos ver como ele conseguiu? Fica para a parte 3, na próxima semana.

Myltainho (esq.) & Amancio



Um comentário:

  1. Olá blogueiro,
    É muito importante incentivar a doação de órgãos e conscientizar as pessoas sobre a importância deste gesto de solidariedade.
    Para ser doador de órgãos não é preciso deixar nada por escrito. O passo principal é avisar a família sobre a vontade de doar. Os familiares devem se comprometer a autorizar a doação por escrito após a morte. Divulgue a ideia e salve vidas!
    Para mais informações: comunicacao@saude.gov.br
    Ministério da Saúde

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