quinta-feira, 19 de agosto de 2010

VIDA DE JORNALISTA DÁ UM ROMANCE

ZÉ HAMILTON RIBEIRO
“Que diabo de profissão é essa que põe o país do avesso?”
Por Mylton Severiano, textos 
e Amancio Chiodi, fotos

1ª. parte

Em 19 de setembro de 2007, fui entrevistar o José Hamilton Ribeiro junto com Letícia Nunes de Moraes, autora de Leituras da Revista Realidade, livro precioso sobre a revista cult da Abril, calcado em cartas de leitores da revista. Apareci na casa do Zé pela primeira vez depois de muitos e muitos anos, na rua Castro Alves, bairro da Aclimação, em São Paulo. Conversar sobre jornalismo, sobre Realidade, mitos do jornalismo, o Zé e a revista. Adiante vai a fita um, depois virá a fita dois, gravadas em gravador antigo, de fita cassete, que editei.
Aí, com o Amancio Chiodi, parceiro de texto e fotos, apareci na casa do Zé semanas depois. Nas duas vezes, Zé nos recebeu em almoço com sua mulher, a Cecília, já combalida, com câncer, de que morreria bem no lançamento da coleção facsimilar do jornal ex-, a 29 de junho de 2010. 


Esta é portanto também uma homenagem à Cecília, que foi bela muito bela, por fora e por dentro.
Bem, como diríamos, vida de jornalista dá romance. Vamos à entrevista com o Zé, que trabalhou na Realidade e continua na ativa, no Globo Rural, da Rede Globo, repórter inigualável no estilo caipira e na longevidade de “carteira assinada”: mais de 50 anos. Ele começou a entrevista para mim assim:
Eu sou Zé de Santa Rosa, animal de pouca fama, eu tanto corro no seco como eu corro na lama, e quando o marido chega me enfio embaixo da cama... Só que disso tudo aí, o único verso meu é “Eu sou Zé de Santa Rosa”, o resto é de Paulo Vanzolini.
Paulo Vanzolini, autor de Ronda e outros sucessos da MPB, é um dos muitos amigos que o Zé Hamilton fez durante sua carreira jornalística.
Encontra perigosos comunistas
Zé nasceu na zona rural de Ribeirão Preto, Santa Rosa do Viterbo, região de Ribeirão Preto, noroeste do Estado de São Paulo. Os avós tinham terra, mas na época “terra não valia”. Quando morreram os avós, dividiram entre filhos.
“A gente vivia modestamente, meu pai era funcionário da Prefeitura de São Simão, perto de Santa Rosa. Eventualmente dava uma safra de milho. Não havia estrada, nem comércio. Na época de jabuticaba, comia jabuticaba, na época de laranja, chupava laranja. Nada valia, hoje vale.”
Isto lembra Marília da minha infância: na época de manga ia buscar na chácara de um conhecido, enchia um saco de 60 quilos de manga, de graça. Hoje tudo tem valor.
Eram oito irmãos, Zé era o homem do meio, com duas irmãs antes dele.
“Tive uma infância feliz, pobre mas feliz. Uma coisa que me intrigava era que, ao lado da pobreza de Santa Rosa, tinha a fazenda dos Matarazzo. Era outro mundo pra nós. Fazenda Amália. Era do Henrique Dumont, irmão mais velho do Santos Dumont, que vendeu aos Matarazzo e exigiu que mantivessem o nome, Amália era o nome da mãe de Santos Dumont. É a história que corre lá.”
Escola só primeiro grau. Tinha grupo escolar. Para fazer ginásio, Zé foi para São Simão, cidade mais antiga. Também estudou em Casa Branca. Tinha a estrada de ferro, a Mogiana. Foi interno em colégio religioso, o marista, em Franca. Terminou ginásio em Ribeirão Preto e agora só lhe restava rumar para São Paulo, queria fazer curso de jornalismo.
Em Casa Branca, tinha curso de sociologia. E um jornalzinho. Lhe pediram um artigo. Os colegas lhe indicam romances para ler.
Em Santa Rosa tinha uma livrariazinha, da tia caçula do Zé, solteira, que vivia com a avó deles. A tia era motivo de piada, ia pela rua lendo, assinava o jornal Lar Católico, de Manhu-Mirim, em Minas, de uma editora de padres. Tinha umas revistinhas de quadrinhos.
“Em Casa Branca”, relembra Zé, “com um grupo que gostava de ler, e o Brasil fervia, 1954, o mar de lama, a Última Hora, e descobri que a confusão toda era provocada por um jornalista, Carlos Lacerda.
Mas que diabo de profissão é essa?”, pensava o Zé, “que põe o país do avesso?”
Um cascateiro na história
Sua turma passa a discutir o país. Isso influencia Zé a fazer jornalismo em São Paulo, na escola Casper Líbero. Zé não para de fazer brinquedos verbais:
“O sujeito fica velho quando acontecem duas coisas: primeiro, começa a esquecer coisas antigas; segunda coisa... o que é mesmo a segunda coisa?”
Não concluiu o curso na Casper. Encontrou lá “perigosos comunistas”, como José Carlos Delfiol, Paulo Patarra e sua futura mulher Judith. Uma coisa boa da escola é reunir jovens, geralmente bem intencionados, diz Zé.
“Dez por cento vai fazer jornalismo.”


A turma do Zé queria conhecer os bons, que trabalhavam na Folha, no Estadão, eram Hideo Onaga, Cláudio Abramo, Moacir Correia. No segundo ano, o grupo tomou o Centro Acadêmico. Zé vice-presidente. Empolgação.
“O objetivo era modesto: trocar todos os professores da escola e chamar os grandes jornalistas para dar aula lá.”
“Só” isso. Greve geral. Cada discurso! No segundo dia, o diretor ficou uma arara. Deram um aperto no Agnaldo, presidente do grêmio, ele renunciou.
“Fiquei eu com a greve na mão. Durou uma semana. O diretor então chamou os cabeças, eu, Paulo Patarra, Judith e Delfiol, e disse: não vamos aceitar a matrícula de vocês no ano que vem.”

Estavam banidos da escola. Zé acabaria voltando anos mais tarde como professor. Arrumou emprego na Rádio Bandeirantes, meia-noite a seis da manhã, e de hora em hora tinha noticiário. Ficava o Zé ouvindo BBC de Londres e outras rádios, telefonando pra plantão de polícia, atrás de notícia. Logo alguém chega:
“Cê tá louco? Todo o mundo que trabalha aqui chega antes de meia-noite, redige tudo, distribui pelos horários e vai dormir. Se acontecer alguma coisa grave, alguém te chama.”
Uma madrugada, cotucam o Zé. Tinha escorrido o morro do Marapé em Santos, com favela e tudo. Um jornalista, que era o chefe, veio para a rádio, botou umas latas, cadeiras, no corredor, pegou o microfone e ficou irradiando “direto do Marapé”. Ele ia chutando as latas, arrastando cadeiras, “estamos aqui no morro do Marapé, uma tragédia aconteceu aqui” etc.
Zé é um tipo de mineiro paulista, ele pede para não dar o nome do sujeito que fazia isso, mas um dia eu falo. As iniciais são E. F.
E o sujeito me demitiu duas vezes. Na próxima semana, continuamos.

2 comentários:

  1. Boa noite. Primeiro quero dizer que o texto está realmente fantástico. Falar sobre o Jornalista Hamilton Ribeiro é sempre uma ótima experiência!
    Meu nome é Lucas Nobre, eu sou estudante de jornalismo da PUC-Campinas e estou no ultimo ano da universidade. Estou desenvolvendo um Video Documentário para meu trabalho de conclusão de curso sobre a Revista Realidade.
    Em minhas pesquisas, pude ver que o senhor também fez parte da revista e gostaria de saber se existe uma forma de estabelecer contato com o senhor, para em breve, futura entrevista.
    Sem mais, deixo meu e-mail para que se o senhor puder me ajudar.

    Att,
    Lucas Nobre
    lucas2005nobre@hotmail.com

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