terça-feira, 22 de junho de 2010

ENFERMARIA DO MYLTAINHO NA COPA

Professor Homúnculo e o futebol banqueiro
Por Mylton Severiano
Se banqueiros jogassem futebol, jogariam que nem a seleção do Dunga. Se a seleção do Dunga se dedicasse à arquitetura, por exemplo, fariam edifícios quadrados como caixas-fortes, sem concessão alguma à leveza. Na seleção do Dunga não há lugar para poesia, beleza, jogo de cintura, criação, desprendimento.
Vi uns jogadores entrevistados, não fariam melhor os jogadores da “ditadura” da Coreia do Norte. Amedrontados, temerosos de dizer algo que desagradasse ao “professor”, sim!, “professor” era como chamavam o anão Dunga.
Melhor, anão não, que anão é uma condição humana digna de respeito. Homúnculo.
Permita um parêntesis para a anedota que o Plínio Marcos aproveitou para uma de suas peças. É do Joãozinho, ou Juquinha, personagem criado por nossa gente, a quem a professora pediu que dissesse uma palavra começada com “A”, e ele, o Juquinha, após tentar inutilmente encontrar uma palavra obscena, respondeu:
“Anão, mas com um caralho desse tamanho.”
Plínio criou então a peça O enterro do anão do caralho grande.
Mas onde eu estava mesmo? Ah, sim, os jogadores brasileiros chamam o Dunga de “professor”. Bem, Portugal bateu a Coreia do Norte por 7 a 0, a quem suamos para bater por 2 a 1. Não precisamos de mais argumentos do que este fato.
Um narrador da Band, quando Fabiano fez o gol contra Marfim, dando dois chapéus, se entregou:
“Lembrou os velhos tempos da seleção brasileira!”
Aí é que reside a questão. Cadê o futebol leve, bailarino, poeta, sambista, sem medo de tomar gol, pois faria dois, três, quatro ou mais gols?
E os treinos “secretos” do Dunga? A Coreia do Norte não faria melhor. Ah, mas a Coreia é “treinada por militar”, acusou outro narrador da Band. E o Dunga? Pergunto: o que aconteceria ao jogador entrevistado que o chamou de “professor” caso o chamasse de... Dunga?
A seleção de banqueiros do Dunga não enfia 7 na Coreia porque está contando dinheiro, e logo Portugal nos dá a lição?
HINOS SÃO DISPENSAVEIS
Os hinos são todos parecidos, “nóis é nóis, o resto é bosta, e se alguém vier encher o nosso saco, nóis cobre de porrada, pátria amada”. Então, pra que tocar hino?
PROPAGANDA
Fico impressionado. Um idiota cria um anúncio, Sandy Junior, aqui é o Bruno, tá barato pra caramba, e repetem, e fazem a volta, do idiota Jr. ligando de volta prum tal de Maisena, outro idiota, só vuvuzela é pior. Aliás, vuvuzela, por que não enfiam cada um a vuvuzela nos respectivos... bem, vou guardar minha boca pra comer minha farinha. O anúncio faz jus à vuvuzela.
Por que não enfiam 
a vuvuzela no... 
bom, deixa pra lá
Reprise da Fenae Agora
Pobre por fora,
rico por dentro
Você já parou pra reparar que em geral nascem no seio do povo mais humilde as figuras do gênero humano mais altaneiras? Nem se fale das antigas, do filho de carpinteiro da Galileia, ou do caçula de uma família chinesa que caiu na ruína, e ele teve que trabalhar como cocheiro – estes que gravaram seus nomes nas doutrinas seguidas por bilhões de pessoas: cristianismo e confucionismo.
Cheguemos mais perto. Machado de Assis, filho de pintor de parede e lavadeira. E Chaplin, que passou fome na infância? Há notórios casos de estadistas: Lincoln, filho de lenhador, ou, mais perto ainda, Lula. 
Mas fiquei há pouco impressionado com outro. Lilás apareceu com Vidas de Homens Notáveis, de Henry Thomas, traduzido por Mário Quintana. Desfilam “notáveis” nascidos na pobreza, do cantor napolitano Caruso ao filósofo alemão Marx, do escritor irlandês Bernard Shaw ao educador ítalo-suíço Pestalozzi, do navegador genovês Colombo ao revolucionário franco-italiano Garibaldi. Então, enquanto eu preparava o jantar, Lilás leu em voz alta a vida de Shakespeare (1564-1616), um “capricho da natureza”. 
Veio da obscuridade – filho de vendedor de lã que nem assinar o nome sabia – brilhou e se foi, deixando obscuridade atrás de si: duas filhas “comuns” e uma “positivamente estúpida”. Compreender o “rude camponês”, diz o autor, é compreender o “mistério da criação”: suas peças resumem o “drama da vida”.
Romeu e Julieta, Hamlet, A Tempestade, Muito Barulho por Nada... Nada de nossa natureza lhe escapa. Ele nos vê de todo ângulo, como quem enxerga o outro lado da Lua; e de todo tom, como quem penetra até o âmago de nossas almas. Como um deus, “zomba da nossa mesquinhez”, ao mesmo tempo que nos ama; destrona um rei e lhe mostra que “com toda sua pompa será um dia devorado por um verme, que por sua vez será engolido por um peixe, o qual irá parar nas tripas de um mendigo”. Morreu sem que os contemporâneos atinassem com o tamanho de sua grandeza, mas ele não se importava com isso.
Bem, tenho dois pontos em comum com Shakespeare – não é vantagem alguma, milhões dispõem dessas condições: viver do que escreve e ter nascido na pobreza. Pai nordestino, sapateiro, e mãe italiana, camponesa, semi-alfabetizados. Por vezes só havia para comer o aipim do quintal com caldo de um osso que o “bucheiro” dava de graça. As crianças adoravam, sem saber que o repasto se devia à falta de dinheiro. Cheguei à Universidade e aprendi que os pobres sabem mais da vida que muito nascido em “berço de ouro”. Vim deles e do ponto de vista deles busco escrever. E eles, indiferentes a qualquer julgamento, continuarão gerando gênios que deveras importam para a saga humana.
(Publicado em Fenae Agora, da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal, abril 2010)

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