sexta-feira, 25 de junho de 2010

  Entrevista de MYLTON SEVERIANO por emeio para a doutoranda MARIA LIGIA MATHIAS PAGENOTTO, que faz um trabalho sobre a chegada da velhice (a biológica) aos costados de nós, jornalistas.
Foto Amancio Chiodi
Velho?, eu? Velho é o adolescente de 14 anos que escreve para jornal protestando contra a publicação da fotografia de uma modelo pelada!

1. Como foi o processo de construção de sua carreira como jornalista?
Agradeço aos deuses, às forças superiores ou seja ao que me proporcionou o fato de construir uma carreira sólida inteiramente na vida prática, sem ter jamais necessidade de sentar no ridículo banco de “escola de jornalismo”. Como narrou García Márquez – um de meus ídolos na escritura e, por sinal, homem de letras que se orgulha de ser jornalista – minha geração, aquela que fez Realidade, ex-, O Bondinho e outras publicações e programas de tv, aprendeu fazendo; as reuniões de pauta na velha Folha se davam na hora do cafezinho, no corredor da redação, nas “happy hours” dos bares e boates. Nas redações havia todas as faixas de idade – na Folhona, por exemplo, tinha o Percival de Souza trabalhando como contínuo aos 16 anos mas já prometendo o grande repórter de polícia que se to rnou; depois vinha a minha faixa, entre 19 e 20 e poucos; e havia gente na casa dos 30, 40, 50, 60 e até setentões como o Laino. Assim, os mais novos tocavam fogo nos mais velhos e os mais velhos nos passavam algo inestimável que não se aprenderá jamais nas “escolas”: experiência, malícia, o convívio em que se ouve histórias de vida.


2.   Você considera que o exercício do seu trabalho colaborou no seu processo de amadurecimento profissional e pessoal?
Total! Sujeitos como Paulo Patarra, criador de Realidade, Sergio de Souza, editor do texto da revista e depois criador do Bondinho, do ex-, da Caros Amigos etc. etc., Fernando Pacheco Jordão, Narciso Kalili entre outros “mais velhos”, lapidaram meu caráter, minha vocação, meu jeito de estar no jornalismo e no mundo.
               Narciso Kalili (mais acima) e Sérgio de Souza, por Amancio Chiodi

3. Que avaliação faz do seu trabalho, do início da carreira até agora?
O “feed back” recebido dos colegas, tanto contemporâneos como os mais novos, me confirma que me tornei um dos grandes jornalistas de meu tempo, que exerci a profissão ajudando a mostrar aos colegas como se postar do lado “bom”. Que lado é este? Cito meu amigo, com quem tive a rara oportunidade de trabalhar em várias ocasiões, Narciso Kalili, no prefácio que ele escreveu para o livro Rota 66 do Caco Barcellos. Alguns trechos:
“Caco Barcellos é um jornalista que tem lado (...) o dos mais fracos, o das vítimas. Ele não está sozinho neste lado do jornalismo. Caco segue o exemplo de gente daqui e de fora, que não se aquece na própria vaidade nem proclama uma visão cínica do mundo, quase sempre um horizonte que não vai além do próprio umbigo. (...) Os jornalistas que escolhem ter lado, não importa onde estejam, acabam tendo comportamentos muito parecidos: sofrem as mesmas pressões, lutam pelos mesmos princípios. (...) É lugar para ser ocupado por gente de talento, sensibilidade; gente que, antes de tudo, tenha coragem. (...) A busca da verdade não impede que Caco exercite sua sensibilidade: os relatos que faz têm força, são substantivos. Para ele, estar de um lado não significa distorcer a realidade, mas aprofundar discordância s, radicalizar diferenças. (...) O lado dos desgraçados, dos miseráveis. Gente sem privilégios, indefesa, e para quem o trabalho de jornalistas como Caco Barcellos ou Donald Wood representa a porta da entrada em direção à vida.”

4. Como é a sua percepção de velhice/envelhecimento?
Diz um ditado americano que você sabe que está ficando velho quando tudo dói e o que não dói não funciona. O escritor judeu-americano Phillip Roth lançou há pouco um livro que aborda o envelhecimento e numa entrevista declarou que “a velhice é um massacre”. Rubem Alves recusou em artigo para a Folha a expressão “melhor idade” usada por corporações, geralmente em avisos de preferência na fila, acha que “melhor idade” é a juventude. Acho-os pessimistas. Ora, todo o mundo envelhece, e morre, então por que ficar malhando a velhice, a morte? Claro, a almofadinha das articulações se desgasta, os ossos articulados atritam, isso dói. Daí o feiticeiro Rubens Zanella, homeopata, te receita um pó chinês, extraído de crostas de caranguejos e lagostas, que refaz a almofadinha, e você toca o rolo. O pau já não levanta tão assiduamente quanto antes, mas quando responde você trata de satisfazer a parceira regiamente. Não se come mais feijoada de noite – cansamos de fazer isso, nossa turma, num restaurante que ficava aberto até de madrugada, acho que chamado Gouveia, na Avenida Santo Amaro, e éramos capazes de tomar caipirinha antes, tomar cerveja durante e licores (LICORES, não um licor) depois, quem sabe até jogar um futebol (os homens) na manhã seguinte. Óbvio que me contento hoje com salada, peixe assado, ou uma sopa, um caldo.
Mas basta observar a vida. A planta nasce, põe flores, as flores pegam cores, murcham, caem. Meu cãozinho Catatau tem 13 anos, até uns quatro anos atrás era o ás das redondezas, “ganhava” toda cadela no cio, agora prefere dormitar, dar uns latidos para um que outro ser vivente que passe. Sou um colecionador de frases, e sobre a velhice lhe ofereço estas:
Todo o mundo quer viver muito tempo, mas ninguém quer ficar velho.
Jonathan Swift (1667-1745), satirista irlandês

A velhice é prêmio para uns e castigo para outros.
Marquês de Maricá (1773-1848), político, escritor e moralista brasileiro

Contra a velhice não há remédio, mas pode-se tentar ficar velho durante muito tempo.
Bispo Angelo Giuseppe Roncalli, depois papa João XXIII (1881-1963)

Nosso amor pela pessoa velha não deve ser uma opressão, uma tirania a inventar cuidados chocantes, temores que machucam. Façam o que bem entendam, cometam imprudências, desobedeçam conselhos. Libertemos os velhos de nossa fatigante bondade.
Paulo Mendes Campos (1922-), escritor brasileiro

Velhice é quando um dia as moças começam a nos tratar com respeito e os rapazes sem respeito nenhum.
Mário Quintana (1906-1994), poeta brasileiro

Torna-te velho cedo, se quiseres ser velho por muito tempo.
Cícero (106-43 a. C.), tribuno e escritor romano

Veem-se chamas nos olhos dos moços, mas no olho do ancião vê-se a luz.
Victor Hugo (1802-1885), poeta e escritor francês
Fico com a novíssima do meu amigo Otoniel Santos Pereira, que fará 70 pouco depois de mim, no último dia de 2010. Ele diz que sai às ruas para fazer exercícios de invisibilidade. Pode olhar e contemplar à vontade as gatas, gatinhas e gatonas, e elas nem tchuns! Elas simplesmente não nos veem!
E fico com meu pai Bernardo Severiano da Silva, meu tipo inesquecível (1915-1996), que dizia: Deus tira os dentes e enlarguece a goela. E olha que era “comunista ateu” mas cita Deus.

5. Do ponto de vista da construção de seu trabalho jornalístico, envelhecer, para você, trouxe perdas e/ou ganhos?
Quem vive na plenitude não perde nem quando morre.

6. O que acha que o jornalismo influenciou – positivamente ou não – a visão que você tem hoje sobre o seu próprio envelhecimento e o dos outros?
O jornalismo é uma função social que nos privilegia por receber e passar muita informação. Chegamos perto da sabedoria do poeta cômico latino Terêncio, que viveu 200 anos antes de Cristo e ali já concluía: Sou homem, nada do que é humano me é estranho. Outro dia, vi no jornal e na internet, no desfile de moda de São Paulo, um traje bem curioso. A modelo desfilava pelada dentro de um invólucro plástico transparente, e o nu frontal, embora protegido pela “roupa”, mostrava-a nua em pêlo. Nada de estranho senti, mas no dia seguinte me surpreendi com a carta de um leitor de apenas 14 anos publicada na Folha, protestando, perguntando “o que é que as crianças iriam achar”. O rapazelho é portanto, biologicamente, mais novo que eu, mas psiquicamente é um velho e eu, um moço. Voltemos então ao tema:
“A idade não faz sábios, faz velhos” – segundo o ditado português muito citado por meu amigo João Antônio (1937-1996), jornalista e um dos cinco maiores escritores brasileiros do século 20, por mim biografado em “Paixão de João Antônio” (Casa Amarela, 2005, se puder leia, é bom), que ouvia o tal ditado do pai trasmontano.

7. Acha que o profissional jornalista tem mais vantagens sobre outros no tocante à questão da tecnologia (maior familiaridade com as ferramentas, por exemplo), por conta de sua necessidade em se valer deste recurso para manter-se no mercado como freelancer e mesmo para se atualizar e manter contato com outros colegas? Que tipo de vantagens – ou não – isso poderia lhe trazer do ponto de vista orgânico, psicológico e social?
Soube que o setentão Mino Carta, dono da Carta Capital, até hoje escreve à máquina. Paulo Patarra morreu aos 75 sem nunca ter usado computador. Conheci há pouco numa viagem à Espanha um geólogo de 60 anos que não tem emeio nem quer saber disso. Não vejo mais “vantagem” para nós na questão da tecnologia e das ferramentas, mas na própria profissão que, como disse no item anterior, nos “vicia” em informação – reparei em mim mesmo durante a viagem à Espanha, lá eu comprava e lia no mínimo dois jornais por dia, e trouxe um caderninho lotado de anotações. E acho que nós, jornalistas, quanto mais “desespecialistas” melhor. Jamais gostaria de ter virado jornalista “especializado em economia”, ou “esportivo”, ou “de polícia”... Eu me interesso por praticamente tudo (sou t udista, certo?): esporte, música, política, polícia, tecnologia, ciências, geografia, história... me traz vantagens do ponto de vista orgânico (me faz bem ao corpo, pois me inteiro de tratamentos, alimentação correta etc.), psicológico (me faz bem ao espírito ao buscar alimento para ele, musical, teatral, cinematográfico etc.) e social (ao me interessar por tudo, não tenho preconceito contra nenhuma preferência de ninguém, nenhuma profissão, nenhum assunto etc.).

8. No seu dia-a-dia de trabalho, convive ou já conviveu com pessoas de idade muito diferentes da sua? Se sim, de que forma avalia isso para o seu processo de envelhecimento e se, em algum momento, sofreu alguma forma de preconceito ou exclusão por conta da idade?
A gente dificilmente percebe se a exclusão se deveu à idade. Porém acharia normal que o jovem, 40 anos mais novo, usasse sua condição de “genro” do dono para me alijar do topo da redação, o que aconteceu faz alguns anos. Para que o novo cresça, é preciso que o velho morra, ainda que simbolicamente. Se este novo será melhor ou pior que o velho ido, não importa. O que me lembro muito bem é que, aos 19 anos, cheguei à Folha e em apenas quatro anos já era subeditor de Política, o que me fez lutar muito contra a sensação de que pessoas de trinta anos ou mais não sabiam nada, quem sabia éramos nós, os mais novos! Compreender, como Sócrates, que só sei que nada sei, isto se chama amadurecer – ou seja, ficar mais “velho”.

9. Como lida com a passagem do tempo no corpo e nas questões subjetivas?
Me embravece por vezes não conseguir mais tão facilmente calçar as meias estando de pé, sem precisar sentar. Me policio para não pensar tanto na morte. Mas também me divirto com fatos como o que me aconteceu outro dia: comprei suco de uva, açúcar mascavo e outros itens num empório de produtos naturais (sem agrotóxico, aquelas coisas). Paguei, pedi para guardar um instante enquanto ia buscar o automóvel que havia mandado lavar. Peguei o carro, rumei para casa e só dois dias depois lembrei que havia esquecido a compra no empório. Também é comum sair e esquecer a porta da casa escancarada, mas aí tenho três cachorros, especialmente a cadela Windy, de mais de 40 quilos, que é uma fera... ninguém entra no meu quintal assim impunemente (comigo junto, ela é um amor de “pessoa” com qualquer est ranho que chegue, adora visitas – invasores, não).

10. O que imagina para o seu futuro profissional e pessoal?
Nunca parar de ensinar e aprender ensinando. É gratificante aprender algo novo em alta idade. Outro dia mesmo indo pra Espanha no avião havia uma Esquire em espanhol (nem imaginava que ainda existisse a revista que curti na juventude em inglês), na qual li uma entrevista com o magnífico colega uruguaio Eduardo Galeano. E ali estava a resposta para esse tipo de questão que você propõe para encerrar o papo escrito (espero que venha o papo oral), na minha tradução do castelhano:
Abracadabra é a palavra mais formosa de todas as línguas. É mágica, abre portas. Vem do hebreu antigo e tem muitas interpretações, mas a que mais gosto é a que significa: “Envia teu fogo até o fim.” Isto é o que eu quero: enviar meu fogo até o fim.
Assino embaixo.

2 comentários:

  1. Maria Lígia Pagenotto4 de outubro de 2011 às 23:46

    Myltainho, agora é que vi que vc postou aqui a nossa entrevista. Gostei muito, adoro essas suas respostas, elas me perseguem até hoje, kkk! Acho sensacional tudo o que vc me disse e uso sempre como exemplo de convívio intergeracional bem resolvido. Obrigada por ter me dado essa grande oportunidade de entrevistá-lo. Beijo grande!
    Maria Lígia

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  2. myltainho .
    As lembrancas sao enormes e gostaria muito de saber de ti.
    Se de repente se lembra deste muleque por favor manda um sinal.
    Tu continuas escribiendo muy bien com siempre te mando un abrazo grande
    mil saludos
    Francisco Nunes
    francisconunes36@gmail.com
    Chiquinho office boy da revista Bondinho (A&C)69 a73

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