domingo, 31 de outubro de 2010

PARA LER E PENSAR

Ana Niemeyer nos repassa email enviado pelo advogado urbanista Paulo Lomar a Antonio Carlos Cesarino, a respeito do texto de Chico Alencar sobre a ingerência do Papa nas eleições brasileiras - tambem publicado neste blog.

Antonio Carlos,

O texto do Chico Alencar que você me enviou suscita questões para ampla reflexão. O Papa opinou sobre questões não privativas do Estado Brasileiro. Como líder espiritual e religioso que é, ele tem o direito e o dever de orientar os bispos, que partilham com ele o pastoreio do Povo de Deus. Basta ler seus textos (dentre os quais, recomendo "Fé, verdade e tolerância", 2007, obra editada por Ramon LLull) para perceber que ele distingue entre o que deve ser relativo e o que não deve.
 A meu ver e salvo melhor juízo, quando fala dos relativismos presentes na nossa sociedade, ele critica o subjetivismo (relativismo)  segundo o qual não existiria uma verdade objetiva de modo que cada um "crie" sua própria verdade e dê asas ao próprio egoísmo, o que poderia levar, no limite, até ao autoritarismo. Sua crítica ao relativismo dominante na nossa sociedade parece-me pertinente.
No mesmo sentido, creio, entre nós, Hilton Japiassu, filósofo da Ordem Dominicana no Rio de Janeiro, concorda com ele na crítica aos relativismos. Ele, Bento XVI, propõe o que considera verdadeiro com muita humildade, mas não abre mão de propor, nem gosta de fazer concessões no que considera essencial. Seu lema de bispo é: “colaborador da verdade”. Isto não implica autoritarismo. Em geral, a grande dificuldade prática é propor a verdade com amor, isto é, sem a pretensão de imposição aos outros do conteúdo que se crê verdadeiro. Este discurso pode ser contraditado por argumentos racionais, mas não parece cabível sustentar que ele não deveria propor o que pensa ser verdadeiro e necessário sob o pretexto de ser, além de líder espiritual e religioso, chefe do minúsculo Estado do Vaticano. O Evangelho é questionador de toda ordem social iníqua, sim, mas, principalmente, questionador de cada um de nós.
O episcopado brasileiro já vinha seguindo as orientações de Bento XVI nas matérias referidas em seu discurso. Sobre o aborto, por exemplo, lembro a posição recente do Presidente da CNBB, dizendo que é inegociável a posição da Igreja contrária ao aborto e à sua descriminalização e o artigo escrito por D. Odilo Scherer sobre o mesmo assunto, publicado na imprensa. Ou seja, já existia posicionamento dos bispos brasileiros condenando o aborto e sua descriminalização. Neste contexto, se formos encarar positivamente o discurso do Papa, sua fala poderia ser interpretada no sentido de ser destinada a reforçar a posição do conjunto dos bispos.
Todavia, sem dúvida, o momento em que proferiu seu discurso foi bastante inoportuno. Concordo com a crítica do Betto, ao lamentar que o Papa tenha “virado cabo eleitoral de forças conservadoras”, embora, em seu discurso, ele, o Papa, não tenha se referido expressamente a pessoas ou a partidos políticos.
De qualquer modo, ainda que esta possa ter sido a intenção velada dele ou das pessoas que o assessoraram, o fato é que, a meu ver, este discurso não vai influir nas eleições em favor do Serra. Faço votos que a crítica do Betto chegue aos ouvidos dele.
Agora, é importante considerar que, no texto do discurso, o Papa não adotou a posição do bispo de Guarulhos, dos dirigentes do Regional Sul 1 e de mais dois outros de discriminar o PT e a Dilma.
A posição deste grupo, sim, é criticável porque pretende substituir a consciência pessoal dos leigos pela consciência deles. Ou seja, ao invés de propor o conteúdo da mensagem cristã, respeitando a consciência de cada um, estes bispos pretenderam impor sua avaliação pessoal discriminatória em nome da fé. Na verdade, clara manipulação. O de Guarulhos chegou até a julgar o comportamento da Dilma, sua "incoerência", o que não é papel de nenhum bispo em relação a qualquer leigo.
Não lhes cabe julgar o comportamento de ninguém. Ademais, o exemplo do bom samaritano está  aí, proposto para ser seguido, praticado, e não apenas lido nas homilias. Nunca vi o bispo de Guarulhos posicionar-se publicamente em favor do combate à miséria, nem apoiar qualquer movimento que lute pelos marginalizados e desfavorecidos.
Somente agora, como bem diz o Betto, inoculados pelo vírus do oportunismo, o Bispo de Guarulhos e os dirigentes do Regional Sul 1 apareceram para fazer política partidária, ocultando-a sob a aparência do combate ao aborto. Pelo que soube, após a manifestação destes dirigentes, os demais bispos de São Paulo se reuniram e reiteraram a orientação anterior da CNBB, desautorizando a nota dos dirigentes.
Agora, há um aspecto positivo no discurso do Papa, quando ele diz que ”fé e política se tocam”. Esta fala deveria ser utilizada, por nós, para reforçar a necessidade de um posicionamento efetivo e coletivo dos bispos brasileiros nas questões relacionadas à superação da miséria, em favor dos direitos humanos, dos sem-terra, sem-teto, índios, minorias, etc., que é o sentido das Escrituras, evitando sua utilização pelos conservadores para justificar a manipulação que fazem em sentido contrário.
Não vejo nenhum problema no empenho do Vaticano quanto à aprovação recente da Concordata. Quanto aos demais pontos do discurso do Papa, o do ensino confessional nas escolas públicas do Estado, eu não vejo também nenhum problema, desde que não seja imposto indiscriminadamente aos alunos. O acesso a ele deve ser voluntário, porque não se pode impor a fé a ninguém. Agora, de fato, não basta o ensino teórico das diversas religiões, como ilustração cultural. Não é isto o que se espera do ensino religioso.
Os símbolos religiosos fazem parte da história do povo brasileiro. Não faz sentido inibir a espontaneidade da expressão popular nos ambientes públicos.
A extirpação da miséria e a elevação da renda dos mais pobres reduzirão bastante a realização de abortos no País, naturalmente, acompanhada de maior educação no sentido da valorização pessoal de cada um.
Bem, mas agora, após o discurso do Papa, o importante é eleger a Dilma, no dia 31, para dar continuidade ao Governo Lula.
Espero que o Chico não vá votar no retrocesso representado pelo Serra, que está aliado aos grupos mais direitistas do País, lembrando a velha UDN.
Infelizmente, Helio Bicudo, do alto de seus mais de 85 anos, está vendo riscos inexistentes de autoritarismo e ditadura, se Dilma for eleita. É uma pena o subjetivismo dele na atual conjuntura e o conseqüente apoio ao Serra. Mas isto não desmerece os serviços que ele e alguns de seus liderados prestaram no passado em favor dos direitos humanos. Trata-se de posição equivocada. Estou convencido disto, pois estamos com as instituições funcionando normalmente. Serra não merece confiança para presidir o Brasil, hoje, ele é de direita, pois sua prática rejeita seu passado. Pretende modificar a política de sucesso do atual Governo Lula, assim como fez quando, ao assumir a Prefeitura de São Paulo, depois de desistir de extinguir os CEUs (como era seu desejo inicial), após ser convencido pela Soninha, baixou sua qualidade, desnaturando-os. Do mesmo modo, depois de assumir o Governo do Estado, ele abandonou programas de Alckmin na Educação, apesar deste ser de seu próprio partido. O País não merece que ele possa repetir este tipo de comportamento na Presidência da República.
Por estas e outras, mais uma vez Dilma Lá no dia 31.
Abraços.

Paulo Lomar

Nota de Antonio Carlos:
Paulo Lomar, advogado urbanista, militante católico, foi membro da Comissão Justiça e Paz.

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